MUSCARIUM#3 Festival de Artes Performativas em Agualva-Cacém-Sintra 18 setembro a 1 OUTUBRO 2017 as fotos são da autoria de CATARINA LOBO
Chega ao fim o Muscarium#3... muito obrigado a todos e até já!
DIA#2.3.2 | 01.10.2017 | Hoje é hoje! E amanhã? É amanhã...
PUPILOS DO KUDURO é um grupo de música eletrónica e dança que teve a sua génese no que, habitualmente, designamos como "Linha de Sintra". Mas o que o Osvaldo, a Miriam, o Leando e o "Bolinha" pouco respeitam é linhas... muito menos aquelas que são retas ou corretas. Se querem festa, se querem barulho, se o que vocês esperam é algazarra, diversão, se o que procuram é serem contagiados por uma energia sem limites que sai disparada pela mesa da dj através das colunas de som e que atravessa, como descargas elétricas, os corpos dos bailarinos e que é cuspida sem freios pelo vocalista infatigável que é o Osvaldo Aires, então é mesmo com os Pupilos que vocês têm que contar. E era isso que o teatromosca procurava quando os convidou para fechar esta incrível festa que foi o MUSCARIUM#3. De maneira alguma as contas poderiam sair furadas.
Os 4 Pupilos que se apresentaram no Anfiteatro do Jardim da Anta de Agualva - espaço que merece uma dinamização regular... e ainda dizem que Sintra não tem espaços culturais!? - foram começando a chamar gente e mais gente, a bater com as mãos e os pés no chão, com a música a bater forte, com os ritmos fortes, as coreografias contagiantes e as letras sem espinhas, tudo a puxar para a festa, para a dança, para os uivos, os silvos, os gritos que iam deslizando encosta abaixo até à Ribeira das Jardas, lá tão longe, ou até aos Palácios de Sintra, aqui ao lado. Fechou da melhor forma possível a edição de 2017 do MUSCARIUM.
Ainda temos os ossos a bater ao som dos Pupilos. Dizem eles numa das tais letras sem espinhas que "hoje é hoje". Respondia alguém do público: "Amanhã é amanhã." Este hoje já passou. E amanhã? O que vai seguir-se?
Por agora sabemos que vamos estrear no Porto uma coprodução com a companhia portuense PÚBLICO RESERVADO e com o TEATRO MUNICIPAL DO PORTO e que esse espetáculo, "MEDEIA", de Jean Anouilh com encenação de Renata Portas, se apresentará no dia 14 de outubro, às 21h, no AMAS - Auditório Municipal António Silva, no Cacém. Sabemos também que estamos já a preparar o espetáculo "KIF-KIF" que estreará em junho do próximo ano em coprodução com o THÉATRE DE LA TÊTE NOIRE (França) e a TERCEIRA PESSOA (Castelo Branco). Também gostávamos que soubessem que vamos andar por aqui e por aí com o projeto "Literaturinha"... Vens, não vens?
DIA#2.3.1 | 01.10.2017 | cabeça na lua, pés na terra, mãos no texto
A CASA DA MARIONETA DE SINTRA, em Agualva, voltou a receber um espetáculo do festival MUSCARIUM. Desta vez, foram os atores Filipe Araújo e Yolanda Santos que fizeram as delícias das crianças e dos adultos que marcaram presença na estreia de "Cabeça na Lua", escrito por Pedro Alves a partir do texto de Jules Verne "Da Terra à Lua". Esta é mais uma leitura encenada que se vem juntar ao projeto "Literaturinha" que tem vindo a ser produzido pelo teatromosca desde 2006.
O último dia do MUSCARIUM#3 foi uma festa para toda a família no Jardim da Anta de Agualva. Neil Armstrong, a cadela Laika, o cosmonauta Yuri Gagarin, a Yolanda, a Maria, o Pedro, o Filipe, o Fernando, a Inês, a Catarina, o Carlos, o Ricardo, tantos outros, vieram assistir ao lançamento do primeiro projétil do Clube do Canhão que pretendia colocar um homem ou uma mulher na Lua e que conseguiu apenas (e isso já foi tanto!) fazer-nos sonhar com coisas incríveis, que nos fez acreditar que as tentativas falhadas podem ser apenas uma pequena parte do processo para atingir esses sonhos que alguns dizem ser impossíveis. Porque todos conseguiremos realizar nas nossas vidas feitos tão notáveis como os do primeiro astronauta norte-americano. Num momento em que a equipa do teatromosca já corria (ou dançava) para a meta da edição de 2017 do festival MUSCARIUM, cada vez se tornava evidente que tinha valido muito a pena ter andado um ano com a cabeça na lua, mas com os pés na terra, a preparar um evento que ficará marcado na memória dos sintrenses e daqueles muitos que afluiram a Sintra para assistir/participar na grande festa que agora chegava ao fim.
"E para o ano?", vão-nos perguntando. Que dizem vocês? Querem mais?
DIA#2.2.2 | 30.09.2017 | 2133 é agora!
Lowri Jenkins e Jennifer Fletcher são duas jovens atrizes e encenadoras britânicas com formação em dança contemporânea, performance e nos métodos Suzuki e Viewpoints. Na edição de 2016 do MUSCARIUM, apresentaram o espetáculo “Invisible City” no AMAS - Auditório Municipal António Silva, no Cacém. Para além desse que foi um dos momentos marcantes do festival MUSCARIUM#2, as duas criadoras dinamizaram um curtíssimo workshop de teatro físico. Ficou a promessa de um regresso. E que regresso?!
O MUSCARIUM#3 recebeu-as como seres vindos de outro planeta (Bowie?) ao longo da segunda semana do festival, altura em que estiveram a trabalhar intensamente, em residência artística no Centro Cultural Olga Cadaval, para a criação do seu novíssimo espetáculo que se intitula, provisoriamente, de "2133". Contudo, o título do espetáculo com que se apresentaram em Portugal não fica por aí e parece ainda mais certeiro do que (elas próprias) poderiam calcular. O "work in progress" que funciona como subtítulo da performance que continuará ainda em criação até ao final de 2017 parece referir-se também ao trabalho que parece que não conseguiremos nunca realizar de construção de uma sociedade igualitária, também ao nível da equivalência social entre os vários géneros. Se, quando Lowri e Jennifer, em 2015, se propuseram a criar este espetáculo a igualdade de género em termos económicos deveria ser atingida daí a 118 anos (o 2133 do título do espetáculo), o Fórum Económico Mundial atualizou já essa previsão para a longínqua data de 2186. Restar-nos-á melhorar tudo aquilo de bom que possa ter vindo a ser feito, sabendo que o trabalho ainda está por fazer, que ainda não atingimos os nossos objetivos. Até quando?
Falando do espetáculo sabemos que as duas criadores voltarão a passar por Portugal e que estarão uma semana inteira a trabalhar no AMAS - Auditório Municipal António Silva, no Cacém, novamente em residência artística, ao abrigo da coprodução entre a companhia NOVA e o teatromosca. Sabemos também que o espetáculo, depois de estrear em janeiro de 2018, deverá ser apresentado em Sintra.
DIA#2.2.1 | 30.09.2017 | isto não é o Pinóquio... ou talvez seja
Partindo da obra clássica do escritor italiano Carlo Collodi, o teatromosca repôs, no âmbito do festival, a leitura encenada "Pinóquio". O espetáculo que integra o projeto de leituras encenadas, LITERATURINHA, produzido pela companhia sintrense desde 2006, foi apresentado na Casa da Cultura Lívio de Morais, em Mira Sintra, no penúltimo dia do MUSCARIUM#3.
Mas, na verdade, o que foi apresentado não foi o Pinóquio, porque ali não esteve presente nenhum boneco de madeira. E os que estiveram em palco não foram mentirosos. O nariz deles (a Yolanda e o Pedro) não cresceu quando mentiram. Não houve aventuras, nem delírios, nem fantasia. Tudo o que contaram era verdade e não houve surpresas e ilusões. O Pinóquio deles ia à escola, portava-se bem, escutava sempre com muita atenção o que lhe dizia o velho Geppetto, não embarcava em aventuras, não fazia disparates... Um Pinóquio ator de carne e osso, com um texto na mão. Quando se poderia pensar que nada de extraordinário pudesse acontecer, tudo de extraordinário aconteceu. Confuso, não é? Pois, é mesmo assim a história de Pinóquio, um menino que ainda é boneco, um boneco que será menino, um traquinas que não quer ser... Delicioso momento para toda a família, apresentado numa sala sintrense que merece mais atenção e que precisa urgentemente de uma programação regular e diversificada.
DIA#2.1 | 29.09.2017 | um concerto memorável em sintra
Talvez não haja mesmo coincidências... No mesmo dia em que, no jornal Público saía um artigo no suplemento ípsilon dedicado à novíssima cena musical de Leiria, um dos mais destacados coletivos saídos desse caldeirão que vai fervilhando cada vez mais e que nos vai revelando pequenas preciosidades, umas atrás das outras, nesse mesmo dia, dizíamos, os FIRST BREATH AFTER COMA, preparavam-se para oferecer um concerto memorável no MU.SA - Museu das Artes de Sintra. Depois do fulgor da Flor Caveira (responsável pela edição de novos trabalhos de Tiago Guillul, Samuel Úria, Os Pontos Negros, Manuel Fúria ou B Fachada) no início deste novo milénio, após o surgimento da Enchufada(dos Buraka Som Sistema, Branko, Kking Kong, Riot, entre outros) hoje em dia, editoras como a Cafetra (Pega Monstro, Éme, Putas Bêbadas, Go Suck a Fuck etc.), a Meifumado (PZ, Orelha Negra, Corona...) têm semeado um território musical em Portugal tão fértil como alguma vez antes tínhamos visto. Bandas e artistas que têm tido cada vez mais sucesso no país e que, progressivamente, têm conseguido exportar de forma consistente a nova música portuguesa. Os First Breath After Coma são, certamente, um dos casos mais emblemáticos desse fulgor que rodeia a cena musical portuguesa contemporânea. Ideia que sai reforçada pela nomeação pela Associação Europeia de Editoras Independentes para melhor disco europeu de 2016, numa lista que incluía 25 álbuns de nomes como Agnes Obel, Radiohead ou Royal Blood.
No passado dia 29 de setembro, às 23.30h, o MU.SA - Museu das Artes de Sintra acolheu a banda de Roberto Caetano, Telmo Soares, Rui Gaspar, Pedro Marques e João Marques, que, assumidamente influenciados por bandas como os Explosions in the Sky (a quem os leirienses devem o nome da banda, retirado de uma música do álbum "The Earth Is Not a Cold Dead Place" do quarteto norte-americano), Radiohead ou Sigur Rós, no seu pós-rock elegante foram alternando entre zonas mais atmosféricas, introspetivas e etéreas e terrenos mais pesados. Uma atuação intimista e surpreendente que levou ao rubro uma sala (o átrio deste museu sintrense) completamente esgotada. Quem perdeu este momento, terá perdido, muito provavelmente, dos melhores concertos que já tiveram lugar no concelho de Sintra. Fica gravado nas nossas memórias...
HOJE às 23.30h | first breath after coma no MU.SA - MUSEU DAS ARTES DE SINTRA
DIA#2 | 25 a 29.09.2017 | Workshop de teatro físico
O RUMO DAS CIGARRAS por Jorge Louraço Figueira
Há uma versão apócrifa da famosa fábula da Cigarra e da Formiga, de La Fontaine (e antes de Esopo), atualizada para a era das indústrias culturais. A Cigarra, em vez de padecer durante o inverno e ver-se obrigada a pedir dinheiro emprestado à amiga Formiga (que de resto não aprova o pedido de empréstimo), é descoberta pelos representantes de uma editora discográfica multinacional, por exemplo numa das salas de ensaio de um velho centro comercial desactivado, e tem uma ascensão meteórica até ao estrelato. A Cigarra grava no melhor estúdio de Londres, corre os canais de TV nacionais, ganha um disco de ouro europeu e é convidada para actuar em Paris, no Olympia. A Formiga, entupida, no cocktail de lançamento, não aguenta: Vais a Paris? Então, quando vires o La Fontaine, diz-lhe que vá à — . E a anedota acaba.
Com licença poética, podemos imaginar ainda outra versão da fábula: as cigarras são chamadas para garantir o serviço público de artes e cultura do formigueiro. Trabalham nisso o ano inteiro, como autênticas formigas. Dão concertos, montam espectáculos, organizam festivais. Pedem 1% do orçamento anual do formigueiro. As formigas não podem, por causa do défice da federação de formigueiros. As cigarras recebem 0,1% do orçamento. Não é o Olympia, mas é melhor que nada. As cigarras aceitam. Pois quem não gostaria de ser cigarra? Em vez de um serviço público, há fogachos: o suficiente para manter as aparências. As cigarras sofrem no inverno e no verão. E a história continua.
A fábula contém um significado oculto: as cigarras são, afinal, formigas como as outras. A suspeita é confirmada pelos versos do músico brasileiro Itamar Assumpção: “Na próxima encarnação (…) / Eu quero nascer cigarra”. Talvez todas as formigas devessem ser cigarras, se possível nesta reencarnação ainda. A formiga de José Afonso, que, no carreiro, vinha em sentido contrário, é que tinha razão: “Mudem de rumo, mudem de rumo.”
Além de dar 1% para a cultura, isto é, um euro por cada cem euros, quer dizer, duzentos escudos, na moeda antiga, por cada vinte contos — o mínimo para um cidadão se poder olhar ao espelho da república, e uma formiga ter orgulho do formigueiro; além de 1%, dizia, talvez todas as formigas pudessem fazer trabalho de cigarras. Em vez de o acesso à criação artística ser limitado, com numerus clausus, tal como era dantes o ensino superior, o acesso seria livre. A fruição também, em vez de ser restrita aos iniciados ou aos consumidores, seria plena. Talvez, então, a participação política, em vez de ser limitada à urna, fosse mais aberta. As artes seriam um pouco mais como a obra de José Afonso, radicada em tradições locais, mas navegando para outros mares. Quem diz José Afonso, diz o cinema de António Reis ou a arquitectura de Fernando Távora — e respectivos discípulos.
No álbum de 1983, Como se fora seu filho, na segunda faixa, Utopia, José Afonso canta: “Cidade / Sem muros nem ameias (…) Será que existe / lá para os lados do oriente / Este rio, este rumo, esta gaivota / Que outro fumo deverei seguir / na minha rota?” Quanto se tiver destinado 1% para a cultura, começaremos a ter um país inteiro, 1/1: um teatro por concelho, uma galeria por concelho, um museu por concelho, etc., por aí fora, e teatros, galerias, museus abertos todos os dias do ano, sem estarem ao deus-dará. Sem muros nem ameias, a garantia do “direito à fruição e criação cultural”, como está na Constituição, não dependerá do “acesso” aos “meios e instrumentos”, porque as portas estarão abertas, sem porteiros, nem cigarras, nem formigas, e as oficinas e ferramentas ao dispor. Discutiremos então novamente se a enxada é minha ou da cooperativa? Sempre.
O teatromosca, como o nome indica, não é só cigarra nem só formiga. O MUSCARIUM menos ainda. O trabalho do grupo é de redescoberta de fontes e criação de experiências, destinadas à população local e vizinha de Sintra, ao país e ao mundo. O festival não é uma montra para ver e ser visto, mas um tempo de partilha, onde o pensamento flui — em direção ao futuro.
[dramaturgo e investigador teatral]
MUSCARIUM#3 | semana#1
+ algumas fotos do concerto dos Them Flying Monkeys e "L'Veltro"
DIA#1.7 | 24.09.2017 | Teatro radiofónico na Casa da Marioneta
Para o professor de musicologia e filosofia, Peter Kivy, a literatura é uma arte performativa, e o ato de ler, especialmente no que diz respeito ao romance, é uma performance. O seu argumento baseia-se, em grande medida, nas analogias que vai estabelecendo entre textos literários e partituras musicais, comparando a leitura silenciosa de um texto literário à audição das notas de uma determinada partitura “dentro da cabeça”. O que ontem a companhia de Elvas, UM COLETIVO, nos proporcionou foi um estranho evento teatral que coloca em causa a própria etimologia do termo - o lugar de onde se vê -, não apenas na medida em que nos convidava a fruir deste espetáculo de olhos vendados, mas porque nos guiava, com as suas vozes, com os sons produzidos ao vivo, com a banda sonora previamente gravada, numa viagem interior - de novo o álbum do Homem em Catarse a assombrar-nos! - em que poderíamos ir (re)criando o universo surrealista proposto pela escrita de Carlos Wallenstein dentro das nossas cabeças.
No acolhedor espaço da Casa da Marioneta, em Agualva, sede dos VALDEVINOS TEATRO DE MARIONETAS, assinalámos a viragem da primeira para a segunda semana do festival. O MUSCARIUM#3 continua hoje mesmo com o Workshop de Teatro Físico dirigido por Jennifer Fletcher e Lowri Jenkins, da companhia britânica NOVA, que estará também em residência artística no CENTRO CULTURAL OLGA CADAVAL, em Sintra, até à apresentação do seu mais recente trabalho, "2133", no dia 30 de setembro, às 21h, no AMAS - Auditório Municipal António Silva, no Cacém.
CONVERSA com os criadores de "L'veltro"
No final do espetáculo de dança "L'Veltro", estivemos à conversa com os dois jovens coreógrafos e bailarinos Elson Marlon Ferreira e Bruno Duarte, sobre o processo criativo deste espetáculo inspirado pelo poema épico de Dante Alighieri...
DIA#1.6 | 23.09.2017 | Virar o Centro Cultural Olga Cadaval do avesso
Se algum sentido ainda pode existir na persistência idiota de programar festivais no contexto de uma festivalização da programação cultural, altamente saturada e a correr desenfreada, se ainda conseguimos arranjar fôlego para organizar e para vivenciar um festival como o MUSCARIUM, talvez seja por dias como aquele que vivemos ontem. Talvez possamos encontrar alguma gota de sangue na vida dos festivais em Portugal na estranheza das propostas que o teatromosca procurou oferecer com a programação do dia de ontem.
Ao sexto dia de festival, a companhia decidiu desafiar jovens criadores (THEM FLYING MONKEYS, banda sintrense; e os coreógrafos ELSON MARLON FERREIRA e BRUNO DUARTE) para apresentarem os seus trabalhos na mesma noite, no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, virando do avesso um dos espaços culturais mais emblemáticos de Sintra. Aquela que é já considerada uma das mais surpreendentes bandas do panorama musical sintrense, abriu as hostilidades com um concerto inusitado no terraço do Centro Cultural Olga Cadaval, para uma plateia que dali saiu deliciada. Lá do alto, os Them Flying Monkeys jorraram uma manta psicadélica do mais vibrante rock alternativo produzido em Portugal neste momento. Se, no terraço - que, pela primeira vez acolhe um evento desta natureza! -, o público era recebido com um copo de sangria fresquinha e um sorriso, na rua, os transeuntes iam-se juntando na estrada, os comerciantes chegavam-se às varandas, os habitantes dos prédios em volta abeiravam-se das janelas para escutar uma hora de música servida com mestria e grande maturidade. Guitarras a subir aos céus, num maravilhoso final de tarde no primeiro dia do outono, num concerto que, literalmente, escancarava as portas da mais prestigiada sala de espetáculos do concelho para a rua, na direção das pessoas, para o mundo. O pôr-do-sol, duas equipas (a do teatromosca e a do Centro Cultural Olga Cadaval) a funcionar em perfeita sintonia e uma banda em estado de graça... Um momento inesquecível!
Mas o dia não ficava por aí e se a malha sonora dos Monkeys nos tinha levado aos céus, a queda seria surpreendente e dolorosa. Inspirados pela primeira das três partes da "Divina Comédia", o poema épico de Dante, os jovens coreógrafos Elson Marlon Ferreira e Bruno Duarte apresentaram uma coreografia tão violenta como elegante, caótica e cifrada, que nos fez mergulhar no Inferno, no Auditório Acácio Barreiros do Centro Cultural Olga Cadaval. Trabalho coreográfico de enorme exigência física, executado com admirável competência pelos dois bailarinos/criadores.
O festival continua hoje, na Casa da Marioneta de Sintra, em Agualva, com o espetáculo "Teatro Radiofónico", da companhia Um Coletivo, que chega de Elvas. A primeira semana do festival está a chegar ao fim. Mas quem é que disse que isto eram duas semanas? É mesmo uma semana muito longa, com muitos dias, com mais horas, com mais música, com mais teatro, com mais dança, com mais vida! Não há pausas, não há tempo a perder. O MUSCARIUM#3 são 14 dias e não te podes distrair, porque isto passa num instante. Vem!
À conversa com a 'dobrar
A conversa de ontem à noite, logo após a apresentação do espetáculo "Agora Também Sou Água" da companhia 'dobrar Núcleo Artístico, no AMAS - Auditório Municipal António Silva, no Cacém...
Hoje há um concerto dos Them Flying Monkeys e um espetáculo de dança de Elson Marlon Ferreira e Bruno Duarte no Centro Cultural Olga Cadaval... Venham!
DIA#1.5 | 22.09.2017 | O encantamento do narrador inocêncio
Ontem à noite, o jovem ator-bailarino (eventualmente, preferiremos o líquido "performer") Rafael Barreto transportou-nos até ao Bairro da Cruz Vermelha, até ao aeroporto de Lisboa, até às nuvens, para lá do rochedo de Gibraltar, em direção à Ilha do Sal, até outros locais, outras cidades, outros mundos, transformou-nos a todos, plateia enfeitiçada, debaixo de um embondeiro, também nós virados de cabeça para baixo, a cabeça (a razão) enterrada no solo e as raízes voltadas para o céu, ramificando-se em direção às estrelas, a dançar, a dançar... Ao contrário da lenda africana que nos conta que esta árvore seria invejosa e que, por tal motivo, foi castigada pelos deuses e obrigada a viver de cabeça para baixo, não vislumbramos aqui nenhuma maldição. O espetáculo, com texto original e encenação de Ana Lázaro, suspende o tempo, fecha a porta à agitação do quotidiano, abre os braços e deixa-nos repousar a cabeça no seu regaço (no da mãe de Inocêncio, que é igual ao de todas as outras mães, quente e reparador) e agita-nos as entranhas, os músculos, os ossos, uma injeção de entusiasmo, mergulha-nos numa atmosfera de encantamento que julgávamos já estar perdido lá atrás, algures na nossa infância.
"Agora Também Sou Água", produzido pela 'dobrar - Núcleo Artístico, é um espetáculo que recupera a figura do narrador de Walter Benjamin, que parece ir "colher aquilo que narra à experiência, seja própria ou relatada” - aqui é a história do pequeno Inocêncio que vive no Bairro da Cruz Vermelha, mas poderia ser a vida de qualquer outra criança de qualquer outro bairro, de qualquer outra aldeia, de qualquer outro lugar -, num teatro narrativo comandado por este homem que parece chegar de longe para contar a incrível história do pequeno rapaz que se quer transformar em água, que sonha poder ser bailarino, que quer apenas ser o que bem entender, que não quer deixar que as barreiras (sejam lá elas quais forem) impedirem-no de voar como os aviões, de ser livre. Uma encantadora (as palavras mágicas, a movimentação hipnotizante, o sorriso contangiante...) performance, simples, um tour de force executado com tamanha delicadeza e energia, um espetáculo para todas as idades, para todas as gentes, para todos os tempos, um momento muito especial que o MUSCARIUM#3 teve a felicidade de acolher. Uma noite maravilhosa no AMAS - Auditório Municipal António Silva, no Cacém.
Hoje estaremos em Sintra o dia todo, a preparar mais uma noite incrível, que começa, ao entardecer, com um concerto dos THEM FLYING MONKEYS, às 19h, no Terraço do Centro Cultural Olga Cadaval, e que terminará com a novíssima criação coreográfica de ELSON MARLON FERREIRA e BRUNO DUARTE, no Auditório Acácio Barreiros, no Centro Cultural Olga Cadaval, às 22h. Venham!
Conversa improvisada com os instantâneos...
A seguir à apresentação do espetáculo de teatro de improviso "Evaristo", Pedro Alves do teatromosca esteve à conversa com os elementos da companhia Instantâneos, no AMAS - Auditório Municipal António Silva, no Cacém...
DIA#1.4 | 21.09.2017 | teatro de improviso no amas
Numa entrevista de 2005, o teórico alemão Hans Ulrich Gumbrecht afirma que a nossa relação com "qualquer objeto cultural, e provavelmente com qualquer objeto em geral (no sentido meta-histórico e transcultural), é invariavelmente duplicada: não se pode evitar atribuir sentido ou signifiado aos objetos com os quais nos deparamos – mas também não é possível evitar o estabelecimento de uma relação de cunho espacial, corpóreo e tangível com eles." Os seus trabalhos e as suas pesquisas privilegiam o questionamento do papel central que a hermenêutica tem tido na área das Humanidades e empenham-se em traçar um outro percurso seguindo antes uma perspetiva substancialista de análise que pode também aqui ser aplicada na teoria teatral, nomeadamente, ao nível da análise, crítica e receção de espetáculos. O que o autor alemão propõe é uma visão crítica da obsessão (ocidental e pós-medieval) pela procura de significados que possam estar para lá das camadas superficiais, defendendo antes que possamos “sujar as mãos”, pensando e desenvolvendo conceitos que não estejam ligados a uma visão hermenêutia do mundo, antevendo a possibilidade de nos relacionarmos com os objetos culturais com os pés assentes noutros terrenos que não aqueles que possam ser dominados em exclusivo apenas pelo sentido, até porque este não será algo que esteja encerrado e preparado para ser desvendado. Assim, em alguns momentos, Gumbrecht tece comparações entre os eventos desportivos e as artes performativas, refletindo sobre a copresença e a função dos corpos (de atores e espetadores) nesses espetáculos. Afirma o seguinte, a propósito do teatro medieval (pré-dramático, tal como o define Hans-Thies Lehmann): «Como os manuscritos quase nunca indicam a coreografia das interações que se seguem entre atores e espectadores, temos de imaginar que essa parte – central - era improvisada e dependia de cada situação. Os manuscritos também se concentram, por outro lado, na saída e nas despedidas dos atores. Dito de outro modo, indicam um caminho para desfazer a situação "teatral" primeira - na qual os corpos dos atores não estavam separados por uma cortina dos corpos dos espectadores e na qual, claramente, a função dos corpos dos atores não era produzir um sentido complexo que os espectadores teriam, por indução, que decifrar. A copresença de atores e espectadores na cultura medieval parece ter sido uma copresença "real", na qual não se excluía o contato físico mútuo - de fato, esse contato era tão pouco excluído, que os espectadores das representações da Paixão no final da Idade Média chegavam a "executar" o corpo do ator que representava Cristo, apedrejando-o.»
Pois, o que o coletivo sintrense INSTANTÂNEOS nos ofereceu ontem à noite, com o espetáculo de teatro de improviso "Evaristo", no AMAS - Auditório Municipal António Silva, no Cacém, foi a possibilidade de nos envolvermos numa performance sempre arriscada, imperfeita, insegura, que, antes de mais, coloca os atores sempre à beira do abismo e que envolve os corpos dos atores e dos espetadores, sem barreiras, num jogo que potencia, antes de mais, uma relação apaixonada, caótica, com o teatro que não seja, exclusivamente, comandada pela razão. Uma viagem de corpo inteiro que, nas palavras dos membros desta companhia, tem como único objetivo o simples contar de histórias. Afirmavam os criadores que fazer teatro de improviso é como estar a guiar um carro só a olhar pelo retrovisor, porque só conseguem ver o que já está atrás deles, porque o que está para diante é sempre imprevisto. Mas não será assim todo o teatro, toda a vida? A seguir ao espetáculo, os artistas sentaram-se à conversa com os espetadores que quase encheram este espaço cultural da cidade de Agualva-Cacém, discutindo os seus modelos de trabalho, falando sobre esta prática artística, bebendo um copo de água quente (chá?). Agradecemos a vertigem cómica em que os Instantâneos nos mergulharam, na companhia do burro Jerico, da Faldynha (que sonhava abrir uma botique à francesa), do José de Penela da Beira... Mais uma noite incrível no MUSCARIUM#3! Hoje volta a haver teatro no Cacém, com a apresentação de "Agora Também Sou Água", pela 'dobrar - Núcleo Artístico, às 21h. Venham!
No final do dia 19 e do dia 20 de setembro, o teatromosca promoveu dois encontros de portas abertas (Open House @ AMAS), no AMAS - Auditório Municipal António Silva, no Cacém. Por agora, deixamos aqui um vídeo que regista o debate de ontem, onde se discutiram modelos, metodologias de trabalho de jovens criadores e novas companhias. Mas debateu-se muito mais do que isso.
No dia anterior tínhamos começado por conversar sobre o trabalho do HOMEM EM CATARSE, músico que tinha dado um concerto no comboio da linha de Sintra no segundo dia do festival. Assim, a conversa foi-se desenrolando a partir da questão da desertificação do interior e do excesso de programação cultural ou sobre essa voragem que encontramos, especialmente, em Lisboa, para depois nos começarmos a concentrar no que foi sendo designado como "festivalização" da cultura.
DIA#1.2.1 | 19.09.2017 | Viagem interior com homem em catarse...
Prepara-se já o lançamento do novo álbum do HOMEM EM CATARSE, "Viagem Interior", e o teatromosca acolheu este músico português no segundo dia do MUSCARIUM#3. O novíssimo trabalho do guitarrista Afonso Dorido sairá esta sexta-feira, dia 22 de setembro, mas o festival organizado pela companhia sintrense recebeu um concerto muito especial numa carruagem de comboio da CP Comboios de Portugal (parceira estratégica do festival), no trajeto entre Lisboa/Rossio-Sintra e entre Sintra-Agualva-Cacém. Os passageiros que viajaram no comboio das 17.41h foram surpreendidos com um espetáculo memorável, uma experiência inolvidável para todos aqueles que, habitualmente, fazem esta viagem no final de uma jornada de trabalho e outros que quiseram viver um momento diferente a bordo de um comboio da linha de Sintra.
Homem em Catarse apresentou-nos alguns dos temas do seu novo álbum, composto por 17 faixas que pedem emprestados os nomes de várias localidades do interior do país, desde o maravilhoso Tua, até ao alentejano Portalegre, Bragança, Monchique, Mértola ou Guarda. Numa experiência imersiva, mergulhámos numa ambiência sonora densa e rica que reflete a longa viagem que o músico realizou ao longo de vários anos, encontrando-se com gentes e lugares do interior de Portugal. "Viagem Interior" é não só um documento singular que dá conta do isolamento imposto ou escolhido de uma parte significativa do território nacional, como, por outro lado, pode ser visto como um convite a uma reflexão sobre as nossas vidas na selva das cidades. Músicos e espetadores embarcaram na plataforma da estação de comboios do Rossio, cerraram os olhos à entrada do túnel para, pouco depois, se deixarem banhar nos últimos raios de sol do fim do verão, embalados pela onda sonora que ia sendo produzida pela guitarra e pela voz de Afonso Dorido. Um acontecimento extraordinário no segundo dia do festival!
É assim a edição de 2017 do festival de artes performativas promovido pelo teatromosca em Agualva-Cacém-Sintra, uma festa que se vai cruzando com as pessoas nas ruas, nos transportes públicos, nos lugares mais inusitados, que vai rasgando o quotidiano de todos aqueles que vivem em Sintra, que aqui trabalham. Mas o dia foi longo, descemos na estação de Agualva-Cacém e seguimos viagem até ao Auditório Municipal António Silva, no Cacém, onde teve lugar um encontro onde se discutiu a "festivalização" da programação cultural.
Dia#1.1 | 18.09.2017 | JÁ começou o MUSCARIUM#3... com um concerto incrível!
B Fachada tomou conta do quintal de uma casa privada em Cabriz, Sintra, na noite passada e fez a festa na moradia, numa noite que não acabou em orgia, mas que teve um banquete servido pela equipa do teatromosca.
Viola braguesa nos braços, o puto mais velho atrás de si, o resto da família a torcer por ele em casa, o músico português deu um concerto intimista, familiar no sentido literal, com rasgos, enganos, risos, boa disposição, enxuto, caloroso... Ficaríamos aqui a noite toda, o festival todo, encantados, a tentar descrever o momento mágico que se viveu ontem à noite num pequeno bairro (que não é negro) da zona saloia de Sintra. Temas próprios e revisitações de José Afonso, B Fachada voltou a provar que é um dos mais interessantes músicos da sua geração.
O festival MUSCARIUM#3 arrancou assim com um concerto invulgar e seguirá agora para outras paragens. Já no dia 19 de setembro, apanhamos o comboio das 17.41h na estação de comboios do Rossio, em Lisboa, para Sintra, na companhia do Homem em Catarse, que nos oferecerá um concerto como uma viagem interior - que é mesmo o título do seu novo disco. Mais tarde, no mesmo dia, às 20h, haverá Open House @ AMAS, no Auditório Municipal António Silva, no Cacém, para debater a "festivalização da programação cultural".
Começa agora o MUSCARIUM#3 que continuará, sem pausas e sem descanso, até dia 1 de outubro. Não percam!